Na contramão da narrativa que inventou uma crise por causa de uma propaganda, hatch despertou mais interesse e se valorizou no mercado de seminovos
Ah, internet! Esse arcabouço de efemeridades, informações e comportamentos falsos. É preciso, mesmo, uma boa dose de paciência e sabedoria para extrair dali o que há de bom, em vez de cair em seu turbilhão de ódio imediatista.
Turbilhão que, não se engane, tem sua dose proposital: gera engajamento, o que gera dinheiro. Por isso, se o fomenta aqui e ali, à base do “sem querer, querendo”, nos esconsos de um discurso de pseudocombate a esse fenômeno.
Vejamos o caso do Volkswagen Polo. Nos últimos dias, uma peça publicitária que mostrava como um casal gay usava o carro – uau, que crime! – despertou a ira homofóbica de gente que não se furtou de fazer comentários raivosos – justamente o pessoal que adora ironizar o “mimimi” alheio quanto lhes convém – e/ou criar memes para lá de óbvios e sem graça.
Em meio ao processo de “cancelamento” de um automóvel – a que ponto chegamos… –, iniciou-se o burburinho de que muita gente estaria vendendo o seu Polo, que os preços estariam despencando, que os concessionários já estariam implorando para que o conteúdo fosse tirado do ar, entre outras baboseiras.
Tudo para que a Volkswagen, essa malvada, aprendesse a rasa lição de que “quem lacra não lucra”. Ai, ai, ai…
Discurso de ódio vs realidade dos fatos
Previsivelmente, tal discurso não condiz com a realidade dos fatos. Pelo contrário: em 7 de maio, um dia após a divulgação da publicidade, as buscas pelo Polo nos classificados da Mobiauto, onde trabalho, quase triplicaram. O crescimento total foi de 189%.
Passados sete dias do anúncio, o aumento médio ficou ainda em expressivos 155% no comparativo com os sete dias anteriores. Passadas duas semanas, a alta ainda permanecia em 153% em relação ao mesmo período antes da divulgação da peça publicitária.
Já a média de anúncios despencou para menos da metade entre os dias 6 e 7 de maio. Depois, caiu quase pela metade de novo no dia 8. Voltou a crescer a partir de 9 de maio, mas ainda segue como a menor média de anúncios do modelo em todo o ano.
Ou seja, a procura pelo Polo aumentou e a disponibilidade para venda diminuiu, exatamente o oposto do que a turma do boicote queria ou prenunciava.
Por isso mesmo, o valor médio de um Polo Comfortline 200 TSI 2022 nos classificados da Mobiauto, que estava em R$ 103.200 no dia 6 de maio, atingiu um pico de R$ 111.200 no dia 11 de maio. Agora, consta em R$ 106.000. Esta é a versão com a maior quantidade de anúncios na plataforma e, como se vê, valorizou 2,7% desde a divulgação da campanha.
Narrativa fracassada, boicote idem.
O caso Fiat com o jogador Maurício Souza
Fenômeno similar já havia ocorrido em outubro do ano passado com a Fiat, patrocinadora do Minas Tênis Clube, time de vôlei no qual atuava o jogador Maurício Souza. O meia, assumidamente conservador, fez comentários de cunho homofóbico em suas redes sociais.
Após pressão de empresas como a Fiat, o clube se viu obrigado a demiti-lo (algo que o próprio presidente da instituição, em áudio vazado, admitiu que não queria ter feito). Foi o estopim para que a horda raivosa sugerisse um boicote aos produtos da fabricante italiana.
Deu tão “certo” que, de novembro para cá, a Fiat continuou sendo ininterrupta e consecutivamente a marca de automóveis e comerciais leves mais vendida no Brasil. E com participação de mercado maior hoje do que tinha na ocasião. Precisamos dizer mais?
No fim, a azáfama raivosa e imediatista tende a se evaporar como água no asfalto quente, e a VW tem tudo para, veja só, lacrar e lucrar em longo prazo com uma campanha corajosa. Torço, aliás, para que isso aconteça. Porque o turbilhão de ódio da internet não pode ser mais forte que o bom senso da vida real. Não pode e, espero muito, não há de ser.