Leonardo Felix*
Foi-se o tempo, há tempos, em que a indústria automobilística brasileira vivia a esperança de uma expansão que posicionasse nosso país, de modo perpétuo, entre os maiores mercados mundiais do setor. Tal otimismo foi soterrado quase uma década atrás, e ainda não se sabe se um dia será retomado.
Desde então, o que vivemos é uma espécie de contínua e perene ressaca, temperada a crises econômicas, fanatismo que remete ao movimento integralista dos anos 1930, população empobrecida e anúncios constantes de fábricas fechando. Nosso mercado recebe foco cada vez menor das matrizes quando se trata de soluções desenvolvidas para nossa realidade.
Com a inflação alta dos últimos dois anos, a perda do poder de compra da população e um índice de endividamento que já atinge quase 80% dos brasileiros, chegamos a um cenário no qual basicamente só as classes A e B são capazes de comprar carro zero-quilômetro.
Tudo isso se reflete nos financiamentos de veículos novos, que caíram cerca de 10% nos primeiros dez meses de 2022 em relação ao ano anterior, que já não foi o melhor dos períodos nesse sentido. E isso impacta sobremodo o volume de vendas.
O resultado desta equação aparece cristalino no relatório de emplacamentos da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) de outubro: 53,25% ou mais da metade dos menos de 170.000 automóveis e comerciais leves emplacados no período foram vendidos na modalidade “venda direta”.
Estamos falando de negócios feitos com empresas, frotas, pessoas físicas que compram com CNPJ para obter desconto e, principalmente, locadoras. Ou seja, o mercado brasileiro está cada vez mais dependente das vendas de veículos para outras empresas, e não para o consumidor final.
Nada contra as vendas diretas, que possuem um papel importante no mercado. Tudo bem que elas cresçam, desde que aconteçam como um complemento do mercado de varejo. É aqui que está o problema, pois, em vez de operara de modo saudável, vem definhando no Brasil.
Um varejo enfraquecido significa uma rede de concessionárias e atendimento a clientes empobrecida, e montadoras tendo que trabalhar com margens apertadíssimas para não perder volume nem colapsar a produção nas fábricas. O que, por sua vez, provoca fortes impactos entre os fornecedores de componentes.
Não há solução mirabolante para o tema. A classe média brasileira voltará a comprar ou assinar ou financiar carro novo quando tiver condições financeiras para tal. Para isso, precisa ter uma renda melhor, inflação controlada e estar menos endividada.
A receita é simples, mas ao mesmo tempo desafiadora para um novo governo que se formará. Apenas aumentar o acesso ao crédito sem os fatores listados acima não será solução para ninguém. Será preciso uma ação orquestrada de recuperação do poder de compra da população em várias frentes.
É hora de deixarmos as ideologias de lado e abraçarmos um plano pragmático de recuperação econômica e da renda de nossa população. Só assim o mercado brasileiro de carros será capaz de sair dessa ressaca e voltar ao otimismo que já experimentamos um dia.
*Leonardo Felix é jornalista especializado na área automobilística há 10 anos. Com passagens por UOL Carros, Quatro Rodas e, agora, como editor-chefe da Mobiauto, adora analisar e apurar os movimentos das fabricantes instaladas no país para antecipar tendências e futuros lançamentos.