Leonardo Felix*

Começou com a Chery, lá na China. Pegou a carroceria de um Celer, aplicou novas soluções para os balanços dianteiro e traseiro, elevou e reforçou as suspensões, fez atualizações em elementos da cabine e lançou o modelo que ficou conhecido aqui como Tiggo 2 e, por pouco tempo, Tiggo 3X.

A Honda fez o mesmo com o WR-V em relação ao Fit, mas não soube disfarçar tão bem e o projeto fracassou. Depois, a VW resolveu tentar o mesmo com o Nivus a partir do Polo, e não é que deu muito certo? Aí apareceu a Fiat e resolveu chutar o balde, porque replicou a receita não apenas uma, mas sim duas vezes.

A primeira, com o Pulse, aproveitando a estrutura do hatch Argo, com atualizações, para fazer nascer um pretenso SUV. Só que eles não quiseram parar aí: resolveram fazer o mesmo com o Cronos, um sedan, para criar o Fastback, um SUV cupê de dimensões espichadas em relação ao Pulse. Genial.

Com 516 litros de porta-malas no sistema VDA – a fabricante fala em 600 litros, porém em medição com sacos de água, mais maleáveis; a fim de manter um parâmetro de comparação com outros modelos, usarei sempre a primeira medida –, possui apenas 9 litros a menos de volume que o próprio Cronos, com o detalhe de ter uma traseira bem mais apelativa.

Ou seja, é um produto que preserva os atributos mais visados em um SUV – bons ângulos de transposição e vão livre do solo, posição de dirigir elevada e aparência de carro musculoso –, ao mesmo tempo em que soluciona um dos problemas mais crônicos de todo utilitário esportivo compacto: a baixa capacidade volumétrica do bagageiro.

E assim os SUVs cupês vêm se moldando ao longo do tempo. Nos anos 2000 e 2010, no esteio do BMW X6, eles eram basicamente SUVs com teto arqueado, o que comprometia o espaço para cabeça na fileira traseira e o do próprio porta-malas. Seu apelo era puramente estético.

De uns tempos para cá, essa nova categoria de crossover tem se assentado com estilo e proposta mais racionais. Basta ver as atuais gerações do próprio X6 e do X4, também da BMW: possuem uma traseira mais espichada, assim como a do próprio Fastback, o que permite que ambos ofereçam volume acima de 500 litros no compartimento de bagagem.

O Renault Arkana, grande oportunidade perdida da marca francesa no Brasil, é outro exemplo: sua traseira é tão proeminente que, na época de seu lançamento, executivos da fabricante apontavam que ele não era apenas a mescla de um SUV com um cupê, mas sim a mistura de SUV com cupê e… sedan!

E aqui chegamos ao ponto nevrálgico destas mal traçadas.

A Fiat ter usado um sedan como base para criar um SUV cupê não é genial apenas do ponto de vista mercadológico (um Cronos custa entre R$ 75.000 e R$ 95.000. Um Fastback, entre R$ 130.000 e R$ 150.000. Percebe a genialidade?), mas também pode indicar uma interessante tendência para o futuro da indústria automobilística.

O mercado de sedans vem encolhendo ano a ano, tanto no Brasil quanto globalmente. Antes, morreram as peruas. Só que muitas pessoas ainda precisam e demandam modelos familiares, com porta-malas mais amplos. E por mais elevados que sejam o capô e a suspensão de um Pulse, seus cerca de 300 litros (VDA) não serão capazes de atender esse tipo de consumidor.

É aí que os SUVs cupês poderão entrar em cena. Já que os músculos, a robustez e a maior facilidade de lidar com lombadas e valetas tornam um SUV mais atraente, por que não juntar essas características a uma traseira mais espichada, que permita um bagageiro generoso como o de qualquer três-volumes?

Em um mundo no qual hatches entrara em crise de identidade e vêm se fantasiado cada vez mais de SUVs, talvez esteja chegado a hora vermos os sedans entrarem nessa onda, reencontrando-se na pele de SUVs cupês. Se assim for, o Fastback terá sido pioneiro em múltiplos sentidos.


*Leonardo Felix é jornalista especializado na área automobilística há 10 anos. Com passagens por UOL Carros, Quatro Rodas e, agora, como editor-chefe da Mobiauto, adora analisar e apurar os movimentos das fabricantes instaladas no país para antecipar tendências e futuros lançamentos.

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